O Extraordinário do Ordinário: a arte do Memórias em Contos.
- memoriascontos
- 24 de dez. de 2024
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Quando apresento o Memórias em Contos, geralmente uso a frase: "é um serviço artístico e não jornalístico". Não sei se as pessoas entendem o siginificado dessa máxima, mas ela me ajudou muito a orientar o tipo de negócio que eu gostaria de desenvolver.
Mencionei num outro post que uma das primeiras ideias do projeto era escrever biografias. Contudo, esse é um mercado mais consolidado e não expressa exatamente o que eu gostaria de fazer. Realmente, gosto de ouvir as pessoas e contar as suas histórias, mas existe um outro elemento que eu igualmente amo fazer: interpretar essas histórias. As técnicas de trabalho de um jornalista ou de um historiador são desenvolvidas para que a subjetividade do investigador não atrapalhe o leitor no entendimento dos fatos e acontecimentos. Certamenete esses profissionais tem todo meu respeito; porém, não me vejo fazendo o trabalho deles, pois não parece muito divertido.
Mais que isso: o conteúdo por eles produzido é mais chatinho de ler. Claro, nem todo texto tem como objetivo ser divertido e nem é isso o que eles se propõem. Contudo, eu quero produzir algo delicioso de ser devorado com os olhos. Existem histórias que eu escrevo de pouquíssimo valor informacional: uma mãe que se tranca no quarto para dar um tempo dos filhos; um filho que lembra de brincar de jogo da velha no banho com seu pai quando pequeno; um jovem que lembra com muito carinho de uma madrugada que conversou demais com uma pessoa que se tornaria um grande amigo. Por si só, esses fatos são aparentemente simples ; mas ao investigar mais profundamente a subjetividade e contextos de momentos como esses, o ordinário se torna fantasticamente belo! Por isso, a minha escrita é criativa e artística, e não jornalística.
Aliás, há também outro elemento nesse processo que diferencia meu trabalho: a imprecisão histórica. Ora, para um historiador importa muito saber se tal acontecimento ocorreu em janeiro ou um agosto, em 1967 ou em 1970. Para mim, talvez essas informações possam até ser úteis, mas não são tão essenciais. Minha matéria prima são os afetos de meus entrevistados, e não as informações que eles possuem. Aliás, muitos deles tem falhas de memórias; é inevitável esquecer de acontecimentos de 10, 20, 50 anos no passado. E aqui meu trabalho fica ainda mais divertido: como lidar com os lapsos de lembrança que eventualmente me deparo? E, novamente, a escrita criativa me ajuda a apaziguar nervos e registrar afetos no lugar de fatos.
Cito um caso interessante: estava eu escrevendo o conto de um casal e eles não entraram em consenso sobre quantas pessoas haviam numa festa que prepararam. O marido tinha certeza que tinha mais de 150 pessoas; a noiva me afirmou que tinham 72. Claramente, eu que não ia botar lenha na fogueira na discussão e nem tentar descobrir quem estava certo. Só que eu precisava escrever minha história. No final, minha solução foi escrever que "para o noivo, a festa tinha um mar de gente", e todos entenderam o que se passou na cabeça dele sem grande estresse. Nós três ficamos satisfeitos com o Conto e nos divertimos!
Esse processo artístico é divertidíssimo, tanto pra mim quanto para os entrevistados. Eles podem olhar para suas histórias de outras perspectivas e revivê-las de forma literária; eu posso aprender com suas histórias e fazer o que amo. Talvez um dos comentários mais bonitos que eu recebi foi que "uau, eu não sabia que minha história podia ser tão legal assim!". E sim, todos nós temos histórias incríveis, tenho certeza disso! Afinal, o ordinário com afeto é extraordinário.
Afinal, todos nós temos memórias de valor infinita e, a minha alegria, é traduzi-las em palavras.