top of page

Espirais e Viagens no Tempo - De amiga para amigo.

Atualizado: 6 de jan.

Este é um texto de Larissa (fictício) para seu amigo Rodrigo (fictício).


Andando em círculos

Mas tudo é novo

O mundo, eu e os outros

 

Já parou para pensar como se desenha uma espiral? Do ponto de vista da geometria analítica ela é um círculo que se inicia com raio zero e, a cada ponto, aumenta um pouquinho o valor desse raio. Curiosamente, depois de dar uma volta completa, diferente de uma reta ou de outras funções, a espiral continua relativamente perto do seu local de origem, como se toda aquela volta não tivesse feito ela ir muito longe. Contudo, sabemos que ela percorreu um longo caminho; deu uma volta inteira e já não está mais tão perto do seu local de origem. Se a espiral for construída corretamente, sem desvios, há um alinhamento e uma proximidade entre seu passado e seu futuro; uma repetição inexata entre o que aconteceu lá atrás e o que está pra acontecer; uma leve fuga do ponto confortável de origem, ousando constantemente dar um passo para fora, mas nunca se desalinhando com o que já se passou e com o que há de vir. Se estivermos nos afastando ou nos aproximando demais da nossa origem, nossa espiral em breve ficará torta, precisando ser realinhada. O destino está lá fora, mas vamos com calma.


— Lari, bora fazer uma instalação de arte? — Convidou Rodrigo.


Eis um convite incomum. Pensei comigo mesmo quantas pessoas eu conheço que fizeram uma instalação de arte. Mesmo entre um grupo bem nichado de artistas, acho que o número continua pequeno. Achei interessante o convite de Rodrigo…


— A minha relação com o Rodrigo… deixa eu pensar — Pediu Larissa durante nossa conversa — Eu penso muito sobre adolescência. Foi um amigo muito importante nessa fase, a gente participou junto de várias coisas da escola, algumas viagens. E eu lembro como uma amizade que sobreviveu ao tempo, sabe? Algo que não é muito comum. Eu lembro que ele sempre compartilhava de muitas coisas, muitos sonhos, e isso é muito legal, acho que é uma marca dele até hoje. Hoje em dia ele é o amigo que convida pra dar rolês culturais, pra ir numas feirinhas de arte mega alternativa, ir em exposição, fazer parte da comunidade desenhistas que ele quer criar…


— Legal! E como você diria que a amizade dele contribuiu pra sua vida como artista?


—­ Eu perguntei.


— Acho muito legal como ele é muito sonhador. O jeito que ele fica inconformado com algumas coisas do mundo e fica pensando sobre como resolver isso… E a paixão que ele tem pela arte, de querer que as pessoas também experimentem e reflitam sobre esse assunto, é muito legal. Ele tem várias ideias, e ele corre atrás, chama a gente pra participar, é bem legal!


Em todas as entrevistas que fiz para este projeto para o Rodrigo, “sonhos” foi uma palavra que apareceu muitas vezes. Nesta conversa com Larissa não foi diferente. Contudo, dessa vez, a palavra que me chamou especial atenção foi “convite”. O relato dela projetou para mim um Rodrigo que não apenas sonha, mas que quer sonhar junto com outras pessoas. Seus sonhos não têm um fim em si mesmos; eles buscam contribuir para a vida dos outros também. Aparentemente, lá na adolescência ele já tinha esse jeito, mas pouco a pouco, sua espiral parece ter ido mais longe, fazendo com que ele dê o passo de não sonhar sozinho, mas que busque pessoas para crescer e sonhar mais alto. Ela continuou:


— Aí ele me fez o convite para fazer a sala de exposição de uma conferência que ia acontecer. Acho que ele fez o convite pra várias pessoas, mas aí eu tava com mais tempo livre e topei. Achei muito legal; nunca achei que ia conseguir fazer uma coisa dessas!


— Que legal! Agora, me conta mais sobre o conceito dessa instalação. O que vocês pensaram?


— É, o tema era “retornar”. O Rodrigo me explicou que a ideia era uma ilustração do sobre a vida ser uma espiral, que parece que você está andando em círculos, mas, na verdade, você pode na verdade estar indo mais alto, mais longe… E o que eu tinha pensado pra instalação era sobre o meu ponto de vista do “meio”. Eu sou uma adulta, eu acho, então não sou nem criança nem idosa. Não vejo as coisas do mesmo jeito de criança, mas acho que valia a pena resgatar algumas coisas de criança pra poder desfrutar melhor a vida agora. Mas tudo dependia da sala que o pessoal da conferência ia conseguir pra gente e… a gente se deparou com uma sala com um pé direito alto!


Larissa me contou empolgadamente a ideia de fazer uma grande cabana naquela sala. O conceito era o de um lugar aconchegante, tal como uma criança que brinca de cabana na sua casa. Porém, ela queria que os adultos vivessem na instalação a perspectiva de uma criança, mesmo sendo adultas. Em outras palavras, a cabana precisava ser gigante! Um lugar aconchegante, protetivo, recheado de imaginação e mágica, mas agora desenvolvido para adultos, para que eles pudessem se reconectar com sua infância.


Dando alguns passos para trás, a época do vestibular foi difícil para a jovem Larissa. Por muito tempo sua única opção era prestar medicina. Contudo, ao confrontar essa ideia, viu que ela não se sustentava. Medicina não parecia o que ela queria, mas sim o que outras pessoas diziam que seria bom para ela. Acabou trocando a medicina pela arquitetura pouco tempo antes de se inscrever para o vestibular. Se por um lado essa mudança foi como se tivesse rejeitado uma verdade de longa data sobre si mesma, por outro, foi importante para que identificasse suas verdadeiras vontades e batalhasse por elas, tomando as rédeas da própria vida e seguindo as curiosidades que seu coração tinha naquele momento.


Agora, quase formada, a crise era diferente. As preocupações da vida adulta vinham chegando: dinheiro, carreira, onde trabalhar, com o quê trabalhar… E em todo processo de montar aquela cabana, estava ali, refletindo sobre sua trajetória de uma forma totalmente nova. Duas semanas antes da conferência estava carregando os lençóis de sua casa para um local em que testavam a instalação, passando-os por cima de escadas e verificando se era possível montar uma cabana gigante do tamanho de adultos. Seu coração estava leve e alegre enquanto trabalhava naquela diversão, ou se divertia naquele trabalho, fazendo algo que até pouco tempo atrás parecia inimaginável. Naquele dia comeu uma marmita de pedreiro por quinze reais com seu amigo e deu risadas sem preocupações, tal como fazia na adolescência.


No dia da conferência, estavam ali montando a versão final da super mega cabana, posicionando estrategicamente luminárias, caixas de som, escadas e travesseiros. Uma atividade tão inusitada que a fazia sentir como se estivesse revivendo sua infância. Só que não era só brincadeira: Larissa fez os desenhos e projetos daquela instalação; conheceu lojas de mobília para cenografia; fez pesquisas de referência; trabalhou duro. Era a Lari adolescente e a Larissa adulta trabalhando juntas num momento de diversão e retorno de suas origens, como se as duas estivessem se reconectando. Aquela brincadeira de cabana virou também uma de viagem no tempo; uma reconciliação entre o passado e o presente. A Lari do passado disse que havia conseguido superar suas crises existenciais e profissionais do vestibular, assim comunicando para a Larissa do presente que ela também ia conseguir superar suas dificuldades. A Vida não a abandonaria.


Estava fazendo o que gostava e utilizando o conhecimento que até então tinha só ouvido falar na faculdade, mas que não tinha tido oportunidade de aplicar. Ao ver o resultado final do trabalho dela e de seu amigo, ficou satisfeitíssima. Nas palavras dela: “veio um sentimento feliz! De brilhinhos assim uuuuhhh! Tipo, nossa, a gente realmente fez isso? Nem nos meus desenhos tinha ficado tão bom! E também a sensação de, sabe, que bom que eu aceitei esse desafio!”. E as pessoas vieram para a obra, conectaram-se com o aconchego da instalação e, com suas memórias, se emocionaram. Ali descansaram, choraram e se divertiram. Num mundo tão utilitarista, pragmático e imediatista, ali naquela cabana, numa sala de uma conferência, a arte estava cumprindo o difícil desafio de servir às pessoas.


Larissa percebeu durante esse processo que não foi só ela quem havia crescido. Seu amigo de longa data também evoluiu em conhecimento, técnica e criatividade, e os dois estavam ali, mais uma vez, servindo juntos como na adolescência. Apesar das mudanças, seus corações estavam com o mesmo propósito de lá de trás. Foi alegre fazer essa viagem no tempo com Rodrigo e enxergar, ao mesmo tempo, o aprimoramento que ele teve em sua trajetória e a manutenção das intenções de seu coração.


— Acho que o Rodrigo não sabe o quão especial foi pra mim ter participado disso… Queria deixar meu muito obrigada! Foi muito legal!


Os problemas da vida de Larissa não acabaram. Não é fácil continuar subindo na espiral, mas, agora, reconectada com seu passado, se sente um pouco mais pronta para o que há de vir. Se surgirem outras oportunidades como essa, certamente topará fazer mais instalações e rolês malucos como esse. A vida de Larissa vai seguir, sua espiral vai continuar indo além, mas todo esse caminho da adolescência até aqui carrega a gratidão pelo amigo que brisa, sonha e a convida para se desenvolver como artista.

— Rodrigo, obrigada pelo convite!

— Rodrigo, muito obrigada pelo convite!

 
 

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page